Em nome do filho: os interessantes núcleos familiares de “Amor à Vida” – parte 2

Olá, queridos novelamaníacos! Na segunda parte do texto sobre “Amor à Vida”, destacamos as relações familiares de algumas de suas tramas paralelas. 

A dupla formada por Valdirene (Tatá Werneck) e sua mãe, Márcia (Elizabeth Savalla) chamou bastante a atenção dos espectadores. Desde o começo da trama, a ex-chacrete fez o possível para que a filha casasse com um rapaz milionário e tivesse uma vida muito melhor que a sua. Márcia fazia isso pelo “bem” de Valdirene ou também pelo próprio? Em seu percurso ao longo da trama, ela fez o que pôde para separar a filha do “despacho” Carlito (Anderson di Rizzi), por quem era realmente apaixonada – mesmo com as idas e vindas do casal.

Apesar de fazerem parte de um núcleo cômico, não seria possível dizer o quanto as personagens representavam certo desespero não apenas pela ascensão social, mas uma certa projeção que Márcia fazia de si mesma em relação à filha – tendo em vista o seu passado, revelado pouco a pouco pelo autor: sua derrocada depois de ter sido chacrete; sua demissão quando babá de Félix e de seu irmão menor, que acabou morrendo afogado na piscina dos Khoury; e as dificuldades por que passou (a exemplo de uma sugestão sobre ter-se prostituído, de certo modo nas entrelinhas para os espectadores) depois disso para conseguir criar a filha.

Nesse ínterim, Márcia e Valdirene não seriam, ao invés de meramente cômicas, tragicômicas? – seguindo o que preconizava Pirandello em “O Humorismo”, no qual aborda a necessidade de uma nova perspectiva para a tragédia moderna, que possuísse um viés cômico inicial e que, com a aproximação dos personagens em relação aos leitores/espectadores, ver-se-ia seu lado trágico e se daria a catarse.  

Márcia e Valdirene: rir para não chorar?

Márcia e Valdirene: rir para não chorar

Mesmo com o tom cômico das duas personagens, seria possível comparar a vendedora de cachorros-quentes com Tamara (Rosamaria Murtinho), que foi aos poucos se revelando como uma espécie de “cafetina da própria filha”, visto que não perdia uma oportunidade de usar Edith – que também soubemos ter sido uma prostituta – para que pudesse se dar bem e ter uma vida de luxo, haja vista o seu passado com César e o casamento de fachada com Félix, bem como conhecer os piores segredos do vilão para chantageá-lo. Além disso, Tamara parecia uma espécie de mentora da filha, manipulando suas atitudes em relação aos “podres” de que tinham conhecimento dos Khoury para que nunca saíssem perdendo – a exemplo de quando Edith mente sobre a filiação de Jonathan para César e usa tal informação para arrancar-lhe dinheiro, conduzida por sua esperta mãe.

Mais uma vez, Carrasco relativiza suas personagens: Márcia, ao contrário de Tamara, é retratada como uma mulher batalhadora, que fez o impossível para sustentar a si e a filha (que vive dizendo que só come cachorro-quente) – de modo que sua conduta parece compreensível, em busca de um marido rico para Valdirene.

Edith, por sua vez, poderia parecer apenas uma carreirista; no entanto, ela fazia qualquer coisa para ficar com Félix, a quem ama profundamente, mesmo sabendo que a relação dos dois é uma grande farsa – tal qual Pilar com César. Valdirene também poderia parecer uma aproveitadora; contudo, em vários capítulos, ela se questionou sobre estar “correndo” atrás de um homem rico, bem como discordar desse propósito de sua mãe devido à paixão por Carlito (Anderson di Rizzi). Como podemos observar, Valdirene, Edith e Félix têm, cada um a seu modo, essa mesma característica: parecem guiados por objetivos que não são os seus, fazendo o que podem para agradar os pais, mesmo carregando um (profundo) conflito interior.

Valdirene, Edith, Tamara e Márcia juntas - mera coincidência ou profunda ironia em torno das quatro personagens? Valdirene, Edith, Tamara e Márcia juntas – mera coincidência ou profunda ironia?

O que dizer então de Amarilys (Danielle Winits) e de sua relação com Eron (Marcello Antony) e Niko (Thiago Fragoso)? Com um inovador triângulo amoroso para as novelas brasileiras, apresentando um casal homossexual bem-sucedido e de alto nível socioeconômico (que não havia dado certo, infelizmente, em Torre de Babel, de Sílvio de Abreu), Carrasco mostra que os dois personagens enfrentam os mesmos problemas – a traição, por exemplo – que casais heterossexuais, se o compararmos a César e Pilar, ou mesmo a Patrícia (Maria Casadevall), Guto (Márcio Garcia), Sílvia (Carol Castro) e Michel (Caio Castro).

Além disso, o escritor, a princípio, não vilanizou Eron nem Amarilys, mostrando uma situação delicada: o amor desesperador desta pelo advogado e pelo próprio filho – que se intensificou e a fez se transformar numa vilã neurótica; Eron tentando contornar a situação, sem saber de que lado ficar; e Niko querendo tocar com o marido sua vida conjugal, ao lado do filho recém-nascido, estranhando a presença controladora de Amarilys. O filho que Niko tanto queria transformou-se, de certo modo, no motivo para afastá-lo do marido e do próprio desejo de ser pai – o que, até o final da trama, se concretizou, quando descobre ser o pai biológico da criança de Amarilys.

niko amarilys eronNiko, Amarilys e Eron: abordagem inovadora para um casal homossexual em novelas brasileiras; o que representava o auxílio aos dois para terem um filho biológico transformou-se em motivo de separação

Através de relações familiares frágeis, como as mencionadas no texto, marcadas por filhos fazendo o que seus pais desejam, usados por eles para que possam atingir seus objetivos ou afirmar suas (falsas) crenças e preconceitos, Carrasco nos mostra a dubiedade de seus personagens – tão falíveis quanto nós, seus espectadores. Talvez, compreendendo melhor suas razões, falhas e fragilidades, aproximando-os de nós, seja mais fácil aceitar o pacto narrativo e fundir-se à trama, torcendo por tão complexos personagens.

E sobre que novela será nosso próximo texto? Aguardem nesta semana!!!  

Em nome do filho: os interessantes núcleos familiares de “Amor à Vida” – parte 1

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César (Antônio Fagundes), Pilar (Susana Vieira), a nora Edith (Bárbara Paz) e os filhos: cenas de uma família feliz? 

Queridos novelamaníacos, depois de Avenida Brasil, vale a pena falar de novo de uma novela exibida até o começo deste ano: Amor à Vida, repleta de inovações estruturais quanto ao perfil dos personagens e sua transformação ao longo da telenovela; ou então das influências – inclusive psicológicas – que a família de certos personagens efetuava sobre eles.

Poucos meses antes da estreia da novela, jornais e revistas noticiaram que o título inicial da trama seria Em nome do filho, devido ao conflito envolvendo os protagonistas, Bruno (Malvino Salvador) e Paloma (Paolla Oliveira) pela guarda de Paulinha (Klara Castanho). Alguns meses depois da exibição da telenovela, podemos perceber o quanto o título provisório ressoava não apenas no que tange à trama principal, mas a outras perpassadas por complexas relações familiares. Na postagem de hoje, faremos menção às relações entre os personagens principais da telenovela. 

Comecemos pelos irmãos Félix e Paloma. Esta sempre tomou suas decisões, mesmo a contragosto dos pais, César (Antônio Fagundes) e Pilar (Susana Vieira) – a exemplo de quando, no primeiro capítulo, ela largou tudo para viver uma aventura com Ninho (Juliano Cazarré) e seus amigos; ou de seu casamento com Bruno, com quem César não queria que ela ficasse. Paloma, ao contrário de Félix, procura resolver seus problemas e conflitos por si mesma – ainda que sem qualquer apoio dos pais.

Félix, por outro lado, não agia como realmente gostaria, a começar por sua homossexualidade inicialmente reprimida. Seu ódio por César, como Glauce (Leona Cavalli) já lhe havia dito, revela o desespero por ser aceito (e amado) pelo pai da maneira que é. E, de certa forma, se assim podemos dizer, o desejo de ser independente como é Paloma.

Temos, até aqui, uma proposta interessante de Walcyr Carrasco: o grande vilão, capaz de qualquer coisa para realizar seus planos, era na verdade um homem frágil, instável, dependente e extremamente inseguro; a mocinha, tida como ingênua, incapaz de ver maldade nas estranhas atitudes de seu irmão, era bem-resolvida – podemos ver isso no modo como lidou com a separação de seu pais. O que não significa que ela esteja sempre certa, tendo em vista quando pensou que Bruno pudesse ter raptado sua filha, impedindo-o de ver a menina. 

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A explosão de Paloma ao descobrir que o irmão, que ela amava e defendia, foi o responsável pelo rapto de sua filha, Paulinha

Que pais estavam por trás desses filhos tão diferentes? César, desde o princípio, pareceu um pai e marido exemplar, além de um profissional respeitadíssimo, pautando suas atitudes pela ética. No entanto, Carrasco foi desconstruindo tal perfil, mostrando-nos um homem machista e preconceituoso, “tão” vilão quanto Félix era. César quis moldar os filhos à sua vontade – quantos pais não agem assim? Sua relação com Paloma é mais positiva, pelo fato dela ter seguido os mesmos rumos profissionais que César e a esposa: a medicina. Porém, Félix foi quem mais tentou fazer as suas vontades, formando uma família “normal” e assumindo a administração do hospital.

Pilar (atenção ao nome que Carrasco deu à personagem e às suas características, posteriormente citadas), por sua vez, apesar de sua formação como dermatologista, passou a vida toda em função de um casamento desgastado e das migalhas do amor de um marido que já não a ama mais, suportando todas as suas traições. Alguns espectadores afirmavam que não havia trama para a personagem – e como uma mulher assim, tão apagada diante de sua própria vida, capaz de renegar a si mesma para manter seu casamento, poderia ter alguma história para contar, a não ser quando resolveu assumir seu relacionamento com o motorista da família, Maciel (Kiko Pissolato), depois de longo período chorando as mágoas da separação e tentando reconstituir, sem sucesso, um casamento em frangalhos?

cesar e pilar

César e Pilar: Carrasco mostrando a hipocrisia por trás de tantos relacionamentos aparentemente “sólidos”

Assim, se os Khoury pareciam formar uma família perfeita, Carrasco mostrou que ela não existia – muito menos a família “de mentirinha” de Félix, na verdade uma extensão criada por seu próprio pai, visto que Edith (Bárbara Paz) era sua amante, assim como Jonathan (Thalles Cabral), seu filho legítimo (apesar de Edith revelar, nos últimos capítulos, tratar-se de uma mentira). Apesar de observarmos, desse modo, a que ponto César poderia chegar para impedir que Félix assumisse sua homossexualidade, o médico não se vê na condição de um homem egoísta; pelo contrário, ele mesmo justificou suas “puladas de cerca” para o filho como sendo aceitas pela sociedade (o que não se aplica à orientação sexual de Félix e sua traição para com Edith) e, portanto, para si mesmo. 

Ao ser chantageado pela nora, César afirma querer ter Jonathan perto de si, dizendo que ele será a “salvação” da família – aceitando as exigências de Edith para ela reatar com Félix e os dois continuarem mantendo as aparências. A ideia de projeção nos filhos se amplifica quando Aline (Vanessa Giácomo) anuncia sua gravidez para o médico, que pensa no filho como uma forma de recomeçar uma família que não havia dado certo com Pilar – vendo Paloma como uma desequilibrada e Félix como um administrador corrupto e, acima de tudo, gay, o que para César é ainda pior.

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Aline: a concretização das neuroses de César em torno de uma família “perfeita”, com um novo filho e uma esposa que parecia acatar suas vontades

No próximo post, falaremos das instigantes relações familiares nas tramas paralelas, a exemplo de Márcia (Elizabeth Savalla) e Valdirene (Tatá Werneck), cujas personagens fizeram enorme sucesso e tiveram grande repercussão – a própria Valdirene teve seu perfil modificado pelo autor (ela se tornaria evangélica e mudaria completamente seus hábitos) devido a tal sucesso. 

O que vocês têm a dizer? Vamos comentar!!! 

Avenida Brasil: os limites entre os papéis de “vilã” e “mocinha” – 2ª parte

avenida brasil

Nina realmente queria apenas justiça? 

Por Leandro Ricetto

Congelem a Carminha, a Nina, a Família Tufão: hoje termino o texto a respeito dos limites estruturais entre mocinha/vilã na novela que revolucionou o gênero: Avenida Brasil

Na metade da trama, mais especificamente no tão aguardado capítulo 100, quando Carminha descobre que Nina e Rita são a mesma pessoa, decide – como a madrasta malvada quando toma conhecimento de que Branca de Neve ainda está viva – acabar com ela, mas simbolicamente, enterrando-a viva, e ameaçando-a para que não retorne à mansão. Assim como os anões pediam a Branca de Neve que fosse cautelosa, Mãe Lucinda fazia o mesmo com Nina a respeito de Carminha, afirmando o tempo todo que sua vingança apenas a prejudicaria. Nina, em detrimento de tais conselhos, dá continuidade à sua performance narrativa, até sofrer uma sanção negativa por parte de Carminha, quando esta descobre sua “farsa” – é enterrada viva e ameaçada por Carminha caso pense voltar à mansão da família Tufão (numa das cenas mais emblemáticas e lembradas de toda a novela).

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Momento da sanção negativa ao programa narrativo de Nina: Carminha aterroriza a ex-enteada e a obriga a não voltar à mansão   

A partir daí, a vingança propriamente dita tem início. Nesse ponto, o autor efetua uma reversão em relação à trama de Branca de Neve e de Cinderela.

Nos dois contos de fada, suas protagonistas não querem se voltar contra suas “algozes”. Como afirma Bettelheim (2002, p. 76): “A desolação não induz a criança a ter desejos vingativos (…). Branca de Neve não abriga desejos raivosos contra a rainha malvada. Cinderela, que tem bons motivos para castigar as irmãs, deseja, ao contrário, que elas compareçam ao grande baile”.

Dessa forma, mesmo que as protagonistas não desejem o mal daquelas que a prejudicaram ou até tramaram contra suas vidas, estas são punidas no final das histórias, momento em que se confirma a consagração da felicidade das heroínas. A madrasta de Branca de Neve vai a seu casamento, ainda com o desejo de destrui-la, e é obrigada a calçar sapatos de ferro, que haviam sido levados ao fogo, para dançar até a exaustão; as irmãs de Cinderela, por sua vez, “foram castigados por sua perversidade, ficando cegas para o resto da vida” (Grimm e Grimm, 2000, p. 28), tendo seus olhos arrancados por pombos.

Nossa Branca de Neve atualizada, ao contrário da versão dos Irmãos Grimm, deseja ser a responsável pela punição da madrasta – o que é mais importante que casar com o “príncipe encantado”, algo que a própria protagonista afirmou ao longo da trama.

Ela, assim, é tão ambivalente quanto Carminha: pode ser boa com seu amado (Jorginho), com amigos de infância, como Betânia, mas é cruel na vingança contra sua madrasta, minando-a psicologicamente. Nos capítulos em que dá início à vingança, Nina chama Carminha diversas vezes de “vagabunda”, “vadia”, “cachorra”; obriga a vilã a servi-la como sua empregada, fazendo com que ela tenha de limpar a casa – outra reversão do autor para a trama de Cinderela, e uma aproximação com a trama de O Primo Basílio, de Eça de Queirós. Nina ainda afirma para Carminha que está fazendo com ela tudo aquilo que esta já havia feito com outros personagens: tanto a própria Rita/Nina, quanto a família de Tufão, sua filha caçula e seus empregados.

A protagonista também consegue abalar a feminilidade de sua rival, cortando seus longos cabelos loiros e escurecendo-os. Por fim, passa a exigir joias e somas em dinheiro, chantageando-a, agindo da mesma maneira que Carminha, quando esta lhe roubou a “herança” de seu pai (o dinheiro da venda da casa de sua mãe). Nina consegue, aos poucos, conduzir a então forte e poderosíssima vilã à loucura, de maneira que Carminha é internada num sanatório.  

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Nesse sentido, Nina não está seguindo o percurso narrativo usualmente atribuído aos vilões? Afinal, ela planejou friamente sua vingança (algo que Branca de Neve e Cinderela, mocinhas “prototípicas”, não fazem); enganou pessoas que dela gostavam (como Tufão e Ivana, irmã deste, que não souberam por Nina da traição de Carminha); foi capaz de colocar de lado sua felicidade amorosa com Jorginho em nome da destruição de sua inimiga, colocada sempre em primeiro plano; e de uma violência psicológica sem tamanho com a mulher que mais detestava – sob a justificativa de estar fazendo justiça. No entanto, a própria protagonista se perde no objetivo de desmascarar a vilã, deliciando-se com sua lenta (e aparente) derrocada.

Se, inicialmente, as fronteiras entre mocinha e vilã pareciam tão bem delimitadas, como nos fazia parecer o primeiro capítulo, elas parecem ter sido desmembradas. A proposta do autor é, então, compreendida, pois já não é mais possível responder quem é a “mocinha” ou a “vilã”.

Tal dúvida já havia sido levantada na telenovela anterior de Carneiro, A favorita, que pretendia inovar na apresentação da “mocinha”, dispensado a roupagem “clássica” desse tipo de personagem. O público não sabia indicar, no início da trama, qual das protagonistas (Flora e Donatela, ex-parceiras de uma dupla sertaneja, sendo uma delas a assassina de Marcelo, com quem Donatela era casada) era a heroína e qual era a antagonista.

A ambivalência das personagens afugentou o público nos dois primeiros meses da trama, forçando o autor a antecipar o ponto de virada da trama e a revelar quem era a “boazinha” e a “malvada”: Flora é quem matara Marcelo, quebrando as expectativas do público em torno de Donatela. Os contornos de “mocinha” e “vilã” foram sendo cada vez mais acentuados a partir de então para cada personagem. A premissa de apresentar uma nova maneira de pensar os papéis de “mocinha” e “vilã” voltaria, no entanto, em Avenida Brasil.

flora e donatela

Donatela (Cláudia Raia) e Flora (Patricia Pillar): embate que afugentou o público, sem saber, inicialmente, quem era a “má” ou a “boazinha” – mas que se desenrolou num thriller de tirar o fôlego dos espectadores em 2008. 

Devemos observar que a própria Carminha, na última semana de exibição da novela, depois de desmascarada, tem suas intenções perversas justificadas, o que não acontece com as antagonistas dos contos de fada: a vilã também perdeu sua mãe (assim como Nina), assassinada por seu pai, transformado em vilão no mês final da trama; e por ele foi abandonada no mesmo lixão em que Max deixou Rita nos primeiros capítulos. Ela também havia se prostituído na juventude. Além disso, teve de abandonar o filho que teve com o amante com Lucinda, por ter sido presa ao tentar dar um golpe num turista estrangeiro.

Nesse ínterim, é revelado o passado de Lucinda: ela era a amante do pai de Carminha, indiretamente responsável pela morte de sua mãe – e foi presa acreditando ter matado a mulher, que morreu na frente da filha – e por seu abandono posterior.  Lucinda funciona, assim, como um elo entre Carminha e Nina – cujas infâncias são tão semelhantes que permitem aproximá-las.

As situações traumatizantes e a necessidade de sobrevivência num meio cruel e hostil (o lixão, tão próximo da floresta onde Branca de Neve havia sido deixada à própria sorte, ou ainda da casa onde Cinderela vivia) permitem explicar, se assim podemos dizer, a perversidade e a maldade de Carminha.

O final destinado a Carminha é outro ponto interessante. Ela sofre uma sanção negativa em relação ao percurso narrativo que empreendeu por toda a trama – associado a todas as suas armações para conseguir ascender socialmente e manter seu status quo –, sendo expulsa de casa pelo marido traído, humilhada pela sogra e pela cunhada. Ao se entregar à polícia, não compactuando com o plano do pai de continuar com o sequestro de Tufão, além de assumir a culpa pelo assassinato de Max, temos o momento de maturidade da personagem. Afinal, a própria Carminha, disposta a qualquer coisa para subir, afirma, no último capítulo, que está tendo “uma vida de verdade” no lixão (oposta ao luxo que tanto lutou para manter na mansão de Tufão) – para onde volta, ao lado de Lucinda, como catadora.

Não apenas as tragédias pessoais, ligadas à perda da figura materna e ao abandono (que traumatizaram tanto Nina/Rita quanto Carminha), mas também o perdão mútuo no último capítulo irmanam simbolicamente essas personagens: se no bloco inicial do primeiro capítulo o autor parecia deixar claro quem seria a mocinha e quem seria a vilã, opondo-as, cada qual com seu programa narrativo, pouco antes do fim, ele então relativiza tal noção – o que não acontecera na instigante A favorita.

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O perdão que fez o Brasil parar entre Nina e Carminha e a “ex”-vilã segurando o neto: uma possibilidade de recomeço – mas de real happy end para aquela que tanto lutou para ascender?

Há outras questões importantes a serem debatidas a respeito de Avenida Brasil, que terão seu lugar em postagens próximas neste blog dos novelamaníacos =D 

A SEGUIR, CENAS DO PRÓXIMO POST: A Santa Ceia vai ficar beeeem salgada! 

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